sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Pródigo

Jaz no tempo muitos anos 
que na tua companhia 
os meus passos eu mudei 
me tornando um caminheiro 
lado a lado, estreitando 
tua vida optei. 
Me honraram como tolo 
por deixar a segurança 
o bem-estar, minhas finanças 
e, assim, expropriado, estropiado te seguir. 
Mas, meu amado, um contratempo 
atracou meu seguimento: 
outros amores me envolvi. 
Quando o medo me apossava, 
tirava a paz, me trespassava, 
tua saudade a mim rasgava 
e eu, sem ânimo, contrito, 
não consegui vo-lo sentir. 
Ó, desejado, penetrei 
no breu sem lume e sem palavras 
refiz os passos da estrada 
calei a voz pensando em ti 
rastro de caos eu restaurei. 
A mim sem nada revelar 
senão os olhos padecentes 
de quem está subjacente 
no caminho que segui; 
meu esperado, nesses olhos 
vi pegadas de teus passos 
lado a lado, estreitado 
o meu rumo conduzir.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Meu ermo sagrado II

No silêncio de uma capela 
quando ainda estende a noite a treva profunda 
o espírito me diz: 
ele está em todo ser”. 
E saio a procurá-lo nas matas, 
escondo-me inteiro. 
Caminho em veredas e trilheiros 
e tu nada me diz, 
todo ser aquieta, 
ouço gotejar nas pedras águas mansas. 
As horas passam, eu me apercebo em silêncio. 
O silêncio me extasia naquela paz.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Desertos que me habitam

Os desertos que me habitam 
diferem-se no grau, no grão molecular. 
Desertos que habitam em alguns são verdejantes, 
suas folhagens vicejantes tapam o céu, esconde o sol. 
Nem todo deserto é areia 
contendo pedras, pó e poeira 
ou caniço a balançar. 
Nem todo deserto é só areia 
pois há também as cordilheiras 
com suas rochas e geleiras 
onde a voz se faz ouvir. 
Desertos que me habitam, para alguns são navegáveis 
profundeza mensurável ou um oceano sem fim. 
Nos habitam, comumente, desertos urbanos 
cheios de gente, 
rotineiro e solitário 
mas inóspito igualmente. 
E há desertos que são noites, 
matéria escura, sem repouso 
verdadeiros calabouços  
pra quem teme adormecer. 
Os desertos que me habitam 
nos habitam a todos nós 
enquanto sopra  
paira a brisa 
que anima a travessia.