quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Profundo silêncio se fez


Eram migrantes, não havia lugar para eles nas moradas de Belém.
Buscavam refúgio para a criancinha que iria nascer.
Nasceu-nos um Menino!
Profundo silêncio se fez.
Uma multidão de anjos vem adorá-lo
ou seriam a multidão de imigrantes
que não encontraram lugar em outra Belém?
Profundo silêncio se fez.
Veio Deus feito menino,
brincar com a humanidade.
Deus menino veio ser gente simples,
despojado como criança que se lança nos braços firmes do pai
ou no colo seguro da mãe,
lançou-se nos braços frágeis da humanidade.
Profundo silêncio se fez. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O bondinho

Sonhei com um bondinho que atravessava a cidadezinha em que cresci. Sonho que volta e meia retorna à lembrança. Mas não existe um bonde a atravessar aquelas ruas que outrora caminhei a pé. Ele existe somente em meus sonhos. Quando digo carinhosamente no diminutivo, não quero denominá-lo como um teleférico, mas, refiro-me àqueles bondes que percorriam as grandes cidades no início do século passado. Queria um desses em Coroaci...

O percurso já está arquitetado em minha imaginação. Do largo da igreja matriz para a avenida comercial, em seguida, a pracinha central e a rua subsequente para enfim circular a praça Demétrio Coelho e retomar a rota inversa. O deslocamento do bondinho cobriria um eixo do perímetro urbano quase de um extremo ao outro.
Imagine as donas adiantando os passos para chegar à mercearia, à casa da comadre ou ao banco sacar sua aposentadoria. Ou os senhores à procura de quem queira trocar uma prosa para além do ponto costumeiro do largo da igreja. E os jovens, curtindo um passeio de bonde enquanto chegam à pracinha central para encontrar seus amigos. O transporte seria a novidade da região, o charme da população coroaciense.

A criança que fui não se esqueceu do bondinho. Ele continua em atividade, vagarosamente belo e charmoso, confrontando o trânsito pacato do município. Em meus sonhos, o meu bondinho é coletivo, não sou seu proprietário. Sou só mais um passageiro admirado que circula no vai-e-vem sem fim como quem vai embora e sempre retorna para casa.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Gravidez

Estou grávido!
Ideias germinam em minha mente.
Fecundam as minhas entranhas.
Uma gestação longa, aliás, metafórica.
Aqueles corpos quadrados, sensuais...
repletos de linguagem humana,
apaixonaram-me pela potencialidade das palavras,
pela estética,
pela eroticidade do arranjo cognitivo.
Dar-lhe-ei o nome de “intransigente”,
pois não comportará conceitos
nem suportará o cabresto dos séculos.
Desde agora chuta e se contorce inquieto,
como a intransigência dos negros roubados de sua identidade.
Ou como a intransigência indígena frente ao europeu invasor
e ao fazendeiro assassino de sua organização social.
Desde agora, o embrião se inquieta como inquieta
o aluno que passivo, recebe o pensamento pensado.
Estou grávido. E quero parir num convento.
Nos jardins do claustro,
simplesmente,
para de lá correr nu mundo afora
com as bênçãos de Deus.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Desentendido (Haicai)

Vá para o inferno!
Escondida com a raiva,
palavras de amor.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Sacrilégios

Não me importa um Deus todo poderoso
reinante glorioso em algum lugar...
A minha fé é rica em dúvidas,
ilusão e utopias.
E cá, neste mundo insano, padeço existência.
Sofro o sentimento de tantos amores
sacrilegiados pelos deuses.
Enquanto que em minha irrelevância
frente à magnificência do universo,
de Deus me basta saber
que é amor.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Empatias apáticas

Nublei-me... como nublado o céu se acinzenta.
Acinzentado de névoas meu coração primaveril.
Não quero presenças. Não quero amigos. Não quero a mim.
Mas a mim não posso dispersar-me. Impossível.
E ao quarto me tranco na falsa sensação de estar só.
Enquanto a mente permanece aberta a gritar seus palavrões.
Pressão. Indisposição. Empatias apáticas.
Chega!
Quero respirar fundo até sentir vertigem.
Um abraço bem apertado que estrale uma vértebra lombar.
Um beijo, se não for pedir demais.
Um silêncio que me diga algo sem nada dizer.
Eu quero empatia.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?

Percebo que alguns grupos que se mobilizam para o GRITO têm dificuldades para encontrar algum material que possa subsidiar suas reflexões em preparação ao ato do dia 07/09. A pedido de um destes movimentos, redigi o texto a seguir sobre o lema do 21º Grito dos Excluídos.

***

“No coração e na alma de todos e de cada um, grita um lema que é, ao mesmo tempo, uma interrogação, uma denúncia, um questionamento à exploração que debilita e mata”. Dessa forma, manifesta-se o Grito dos Excluídos ao apresentar o lema para o ano de 2015. Em nossa América latina, existe enorme variedade de emissoras de televisão. A grande maioria possui ligações com grupos econômicos e políticos. Os meios de comunicação social tradicionais são uma força estratégica de disseminação da ideologia neoliberalista e dos interesses hegemônicos dos EUA.

O que se observa hoje, em vários países sul-americanos, uma investida política de direita apoiada pela grande mídia tradicional, é parte do plano oculto que objetiva atacar os governos e organizações de esquerda. Segundo o filósofo Buen Abad, “não cabe dúvida sobre o avanço em relação aos golpes de Estado na América latina. Somente no século 21 já tivemos cinco golpes de estado na região e em todos os casos houve guerra midiática, que operou para legitimar esses golpes”. No Brasil, percebe-se a ferocidade com que os principais veículos de (des) informação vêm atacando setores políticos. Por meio de jornais, revistas, internet e programas de TV disseminam o caos. Planejam a crise. Como guardiães da inverdade servil, cooptam recursos humanos para combaterem na linha de frente em manifestações contra a jovem democracia brasileira, enquanto formulam uma fundamentação concisa para legitimar o golpe brando.

A concentração dos meios de comunicação social brasileiro gera a nível nacional um oligopólio dominado por um restrito grupo empresarial, nove famílias ditam as informações na mídia. E em cada região, predomina o monopólio midiático de empresas ligadas aos grupos observados em nível nacional. Dominam o mercado: desde a produção, reprodução e distribuição às revistas, jornais impressos e internet. Faz-se necessário uma regulamentação que democratize a mídia. O 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, realizado em julho, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, documenta por carta a respeito da democratização da mídia em um de seus eixos: “Promovemos o desenvolvimento de meios de comunicação alternativos, populares e comunitários, frente ao avanço dos monopólios midiáticos que ocultam a verdade. O acesso à informação e a liberdade são direitos dos povos e fundamento de qualquer sociedade que se pretenda democrática, livre e soberana”. Nessa perspectiva, o projeto de lei de iniciativa popular da campanha “Para expressar a liberdade” busca uma solução para a questão, tais como, a proibição da propriedade cruzada (monopólio de grupos que dominam variados setores da mídia), limites à concentração de verbas publicitárias e maior espaço para os meios alternativos de comunicação e diversidade étnica e de gênero. A iniciativa também propõe mais transparência nas concessões como também, a participação popular nas políticas do setor.

Dados da pesquisa brasileira de mídia 2015 apontam que cerca de 95% da população brasileira assistem TV com frequência, em uma média de 4h31min por dia; e 30% ouvem rádio todos os dias, um aumento de 9% em relação ao ano passado, a maior parte dos ouvintes oriundos de pequenos municípios. A internet é apontada como o meio de comunicação mais usado por 48% dos brasileiros, em uma média de 5h diárias.  Dito isto, é nítido o papel que estes meios de comunicação em massa desempenham sobre a sociedade. E quando controlados por grupos restritos se tornam instrumentos ideológicos que nos ditam o que comprar, o que devemos pensar. No mesmo Encontro Mundial dos Movimentos Populares, a presença profética do Papa Francisco alerta para o perigo do “colonialismo ideológico” midiático: “Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adota o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico”.

Por isso, gritaremos em breve: que país é este, que mata gente, que mata a dignidade da pessoa humana em troca do lucro a qualquer custo. Que país é este que a mídia mente ao ocultar a verdade que os grandes blocos político-econômicos não querem ouvir e não querem que saibamos. Que país é esse em que a concentração de renda nos quer consumir como peças úteis, mas dispensáveis, de uma engrenagem que sustenta uma ordem econômica favorável a menos de 1% da população que detém mais de 59% da riqueza nacional. Gritaremos com aqueles que se emudeceram tombados pelo cansaço ou por se consumirem na luta a favor de um Brasil mais fraterno e justo.

frei Warley Alves de Oliveira, ofmcap



Referências bibliográficas


Que país é este, que mata gente, que a mídia mente e nos consome? Jornal Grito dos/as Excluídos/as. Abr 2015. nº62, a.21, p.1

II Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Promover la libertad de expresión. La Carta de Santa Cruz. Santa Cruz de la Sierra, 2015. Disponível em: Acesso em: 25 jul. 2015.

AVILA, Róber Iturriet. Os limites atuais da distribuição de renda e riqueza no Brasil. Carta Maior, 2015. Disponível em: Acesso em: 26 ago. 2015.

FRANCISCO, Papa. Discurso: II Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra, 2015. Disponível em: Acesso em: 9 jul. 2015.

JUNIOR, Vilson Vieira. Oligopólio na comunicação: um Brasil de poucos. Disponível em: Acesso em: 25 ago. 2015.

REPÚBLICA, Secretaria de comunicação social da presidência da. Pesquisa Brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira. Disponível em: Acesso em: 26 ago. 2015.


RODRIGUES, Fania. Mídia latina refaz "Operação Condor". Revista Caros Amigos. Caros Amigos: São Paulo, 2015. nº 221, a.19, p.24-27

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Amizades

O verbo amar conjuga a vida
e dos amores que a vida traz,
a cumplicidade de um amigo
nenhum amor se iguala,
nenhum amante segreda.

Amizades que crescem na simpatia espontânea
no primeiro dia de aula, da primeira infância.
E envelhecem juntas até a hora derradeira.

Um amigo querido que a inevitabilidade da morte
acolhe em seu manto de mistério,
sem ao menos nos permitir um último adeus...
Um amor dolorido por sentimentos engasgados na garganta.
Tamanha a dor.

Amizades seladas por laços sanguíneos.
Um irmão que se faz grande amigo.
Um amigo que antecede o irmão.

Um amigo, uma amiga que chegam ao acaso
e em pouco ocupam as mais deliciosas lembranças.
Amigos de conversas noite adentro, de madrugadas até a aurora.
Amigos para se permitir adentrar a casa sem bater à porta,
abrir a geladeira sem permissão e acordar assustadoramente às onze da manhã.

Amizades que escondem uma paixão, um beijo desejado.
Um beijo bem dado, talvez... por que não?!
Amores que em amizade se fundem, confundem-se.

O amigo que o tempo e o distanciamento enuviaram,
e um dia, quem sabe, tropeçaremos, um e outro,
em uma rua qualquer, em qualquer lugar do globo.
O amigo que parece esquecer-se de mim,
quando na verdade, aguarda-me ansioso para o abraço.

Amizades que me ensinam, me apaixonam pela vida.
Amizades que me salvam não uma única vez, mas quase todos os dias.
Amizades que guardam consigo metades de mim.

domingo, 12 de julho de 2015

Pecado Original

Foi-me dito em minha infância sobre um tal pecado original. Mas criança que eu era e, antes disso, ainda no regaço de minha mãe, inocente, puro, indefeso, como ser portador de um pecado? Nascer pecador, eu, que sem consciência de mim nada sabia e tudo ignorava a não ser os seios que me amamentaram?!

Os anos correram ligeiro, a criança adolesceu para o mundo. E continuava sem entender o porquê do pecado. E, se nos primórdios, o pai e mãe original pecaram por degustar um fruto proibido plantado no paraíso, diga-me, porque diabos a sua árvore estava plantada no paraíso, com o selo de interdição? Seria melhor Deus não a ter plantado... E que diabos, o diabo fazia no paraíso?

O menino cresceu. Tornou-se um homem. Um homem não feito. Porque este menino-homem é um homem de incertezas. O pecado original não o aflige, ignora-o. Os outros pecados, igualmente, recebem o mesmo descrédito. O amor. Apenas o amor é originariamente necessário, magnânimo. A sua falta é uma falta verdadeira.

O homem de incertezas não se apoia em conceitos absolutos. Duvida das verdades doutrinárias e da mediocridade humana, começando por si próprio. Duvida de suas posições contra a natureza do ser, duvida de suas investidas contra o que lhe é mais humano: o desejo, a dor, o prazer e o sofrimento.

A certeza habita apenas o epílogo da morte. Entretanto, a morte não lhe é estranha. Acolhe-a como o pobrezinho de Assis, com familiaridade. A morte que não nos vem por causa do pecado. Mas, porque nos intervalos entre a vida, nascemos e morremos.

O pecado original de Adão e Eva não me importa e, ouso mais, meu Deus, porque se Você morreu por meu pecado, pelo pecado da humanidade passada, presente e futura, é necessário comunicar-lhe que as pessoas cá embaixo continuam desamando-se uns aos outros.

Se se compreende que pela falta do amor entre seus semelhantes, mataram-Lhe, verifico que, na ausência de um amor mais socialmente integrado entre os seres humanos, (com menos apetrechos legalistas e mestres déspotas das fés), nossa racionalidade e emocionalidade se descaminham e se extinguem em um inferno geográfico.

Pecado original...

domingo, 10 de maio de 2015

Doce de leite

Nas manhãs de domingo, depois de irmos à igreja, nós, crianças, achegávamos à janela grande de madeira do antigo casarão amarelo e, como eu era o mais velho entre os guris, pendurava-me no peitoril e chamava por Madalena: “ô dona Madalena, me dá doce”! Os ecos infantis atravessavam a sala de visitas, cheia de mobílias rústicas de jacarandá.
Aos instantes de expectativa, nossas bocas salivavam diante da figura franzina e sorridente, de estatura baixa e lenço amarrado à cabeça; ela trazia nas mãos fartas bolotas de doce de leite. Aproximava-se da grande janela e distribuía a cada um o seu quinhão. Era uma infância deliciosa!

sexta-feira, 20 de março de 2015

Ofegância

Busco no silêncio os seus passos;
algum sinal que me amanse a respiração...
O coração segue um pulsar apressado,
rompendo os limites do espaço,
num abraço que não se cumpriu.
E na noite, porém, meu desejo
desprezo no sono que vem
e o silêncio que outrora aguardara,
rompido apenas pelos entrecortes de ar nos pulmões,
se consente à mudez dos sentimentos adormecidos
em um canto qualquer do meu leito noturno.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Possibilidade Poética

Sou um pássaro de asas saradas,
da gaiola não mais prisioneiro,
não mais o horizonte finito e traçado
por verticalidades que não me elevam,
não me levam a lugar algum.
Não me impeça de voar!
E subirei... subirei ao mais longínquo de meus sonhos
e desejos mais sutis,
às mais poéticas paisagens do espírito livre.
E, quando entre as cores anis,
perceber que Deus me sorri gostosamente,
compreenderei que o mistério que a toda vida envolve
não me é mais temeroso,
livre, enfim, serei.

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

São Francisco dos Empobrecidos


Admira-me, pai Francisco, ver-te, assim, amoroso
tem o Bom Deus em seus braços, ferido de amor.
São as feridas dos pobres, pai.
Os mesmos flagelos que se perpetuam pelos séculos.
Nas páginas escritas com o sangue de negros e sangue de índios
misturam-se o sangue sagrado dos empobrecidos.
Por força de ordem crucificam o Cristo com cravos de cifrão em uma cruz capitalizada.
Mas, não se deve pronunciar à respeito. O silêncio é deveras obrigação.
E, não bastasse tantos corpos tombados, amigados com a liberdade;
outros tantos, seguem, vitimados pelo progresso.
Para estes, as migalhas que caem da mesa são acompanhadas de uma taça de suor.
Vê, pai seráfico! Em teus braços magros abarcas o que digo:
o amor e a pobreza descansam da sina desta noite sem fim.