segunda-feira, 22 de maio de 2017

Olhadelas

Aprecio quem me olhe nos olhos,
sem hostilidade, sem censura.
E se os olhos se comunicam com os meus,
ai, meu bem, liquefaço,
faço gosto de ver.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Paixão maternal

De teu ventre fecundo, mulher, gera-se vida.
Paixão maternal de uma sublimação contínua
a oferecer ao divino tua carne morena.
Invejam-te muitos homens,
de falos femininos concebíveis,
do êxtase da maternidade escrita
e outra vez reescrita no corpo erógeno
de tua mística.
Liberta-me pela tua parição
da vulnerabilidade que esteriliza
toda maternidade masculina.
E me faz mulher.
Gera-me puta, gera-me mãe prodigiosa,
concebe-me, contudo,
o feminino sagrado da tua sedução.


sexta-feira, 5 de maio de 2017

Meu Emaús

Quando criança amava um Deus metafísico
como um filho ama ao pai.
Cresci. Amei o Cristo.
Mas lhe amei como um súdito a seu rei.
Agora, no desabrochar de minha juventude,
na minha vadiagem piedosa
e na minha viadagem altruísta,
amei a Deus como homem,
amo o Cristo como quem ama

um homem.

Oxalá eu seja expulso do paraíso

Oxalá eu seja expulso do paraíso,
longe da companhia de santos
e de virgens.
Pudera eu ser condenado à loucura,
ser relegado ao leito dos amantes da agonia,
da sem-vergonhice dos versados em saber.

Alguém que me estenda a mão neste breu?
Onde estão as vozes que apunhalam,
os arautos da verdade [que] não muda?

Oxalá eu seja,
não está em mim ser outro alguém.
Não procurem por mim na fotografia do passado
ou nas marcas do corpo que veem
nem sequer nos cabelos desgrenhados,
quem me dera não ser imaginado por ninguém.

Alguém que me estenda a mão neste breu?
Rasurei os meus afetos, não irei descolorir meu coração.
Eu não. Eu não.