segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mãos Estendidas


Mãos estendidas, elevadas em oração;
calejadas do duro trabalho da lida.
Elevadas ao céus, estendidas ao Pai,
que nos dá o pão cotidiano.
Mãos, de dedos delgados e trêmulos
unhas sujas do toque à terra escura.
Da sacralidade do suor e fadiga num calor fervente.
Mãos sobrepostas e marcadas pelos anos.
Acolhedoras do Sacro Corpo e Sangue;
santas aquelas mãos estendidas humildes
em prece, sem pronúncias, porém,
cheias de significado
De uma vida dura,
mas, de pura gratidão.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Relatos de um choco

Em minha meninice, recordo-me o desejo de chocar um ovo de galinha utilizando de uma chocadeira caseira. Era simples: uma lâmpada fosforescente, uma caixa, um pedaço de trapo e, claro,  um ovo de uma das galinhas da vovó. Mas, todo essa engenharia infantil ficou somente no campo das ideias...

Dia #1: a ideia ressurge
Quinze anos mais após o projeto do ovo ser arquitetado, surge a oportunidade ideal; quando uma galinha do convento onde habito, (aquele menino que fui é hoje noviço capuchinho), como eu dizia, somente dois ovos da citada galinha eclodiram e deram a vida a dois pintinhos. Os outros treze ovos, aliás, adicionados à prole original posteriormente ao início do tempo de chocagem, não deram sinais de continuidade.
Compadecido dos embriões que, na certa, seriam menosprezados, convenci os irmãos a chocarmos os ovos em uma chocadeira caseira.

Dia #2: encubação
Quando finalmente transferimos os ovos chocos do ninho para a chocadeira, havia se passado um dia inteiro. Esse foi o tempo para confirmar que a galinha não voltaria novamente ao ninho.
O plano de encubar os ovos está em descrença por quase todos os irmãos. No entanto, estou firme de que os embriões estejam ainda vivos. Para aquecê-los melhor, depositamos sobre os ovos um velho cachecol de lã marrom.

Dia #6: um pio de esperança
Três dias depois, não encontro nenhuma alteração.
Às duas da tarde do sexto dia, sou avisado de que um pintinho nasceu. "Sério mesmo?" Mal pude acreditar. Mas, era verdade. Um pintinho amarelo, ainda ligado ao cordão umbilical e sadio.
O projeto de infância realizou-se por fim. Entretanto, ainda restam doze ovos na espera. Cada pintinho que venha a nascer será um a mais que salvamos.
O primeiro dia de vida extra ovum dos pintinhos se resume em permanecer junto ao regaço de penas de sua mãe-galinha. O cachecol fez à vez da mamãe.

Dia #7: encontro
Pela manhã, o pintinho já piava alto. As tentativas de dar-lhe algo de comer falharam. Melhor seria se o devolvesse a sua genitora galinácea; foi o que se seguiu. Aproximando-o da galinha, deixei que piasse por um instante para chamar a atenção dela e o extinto materno do animal o resguardou sob suas penas.


Dia #8: surpresa!
Durante o dia, por várias vezes, voltei a chocadeira para observar se algum outro ovo dava indícios de eclosão, sem novidades. Enquanto que, o pintinho já ciscava pela primeira vez, um tanto desajeitado, com seus irmãozinhos.
Na hora das vésperas, a surpresa: um novo pintinho começava a quebrar a casca. Pela pequena fissura era possível vê-lo ofegante no esforço pela sobrevivência.

Dia #12: dificuldade
Dias depois, os dois pintinhos já estavam habituados e saudáveis. E um terceiro ovo estava para eclodir pela manhã. Porém, diferente dos anteriores, o terceiro pintinho não era capaz de dar continuidade às bicadas que o trariam à luz. Foi preciso uma intervenção minha para auxiliar seu nascimento. Por um instante hesitei, com receio de ato prejudicar seu desenvolvimento futuramente. Ao fim de muitas horas, decidi ajudá-lo a sair definitivamente do ovo.
Ao entardecer, entreguei-o à galinha.  Este pintinho era do tipo de "pescoço pelado". No dia seguinte, comprovei que ele já se encontrava bem e era divertido ver como a galinha tinha consigo filhos da mesma ninhada, porém, de idades e tamanhos diferentes.

Dia #29: mortes
Não há muito a dizer. Pela manhã, os dois pintinhos mais jovens estavam com os corpos dilacerados, deixados no local da foto abaixo...
Uma ratazana ou um lagarto grande o bastante, provavelmente, foi o predador dessa trágica cadeia alimentar.

Dia #30: outra morte
Ontem, estive chateado com a morte dos pintinhos. Acompanhei-os por um mês, vi quando começavam a quebrar a casca e a recepção da galinha; até dediquei-me a escrever esses relatos. Pra quê? Para acompanhar suas breves vidas, mastigadas pelas mandíbulas de um predador anônimo.
A primeira coisa que fiz hoje, após a oração das Laudes, foi voltar ao viveiro para me certificar de que os outros três pintinhos estavam bem. Estavam bem.
A tragédia se completou mais tarde, à hora do almoço, quando ao chegar próximo do viveiro, as tripas de outro pintinho estavam despejadas no chão. Morreu outro, e não foi por um predador noturno.
Três pintinhos nasceram com a ajuda da chocadeira, os mesmos morreram tragicamente.
Esta, não é uma história com final feliz.