sexta-feira, 1 de maio de 2020

As igrejas estão vazias,
Talvez já estivessem antes de caírem as máscaras
Da nossa essencialidade.
Tão vazias quanto o caminho esquecido do seguimento,
Preterido às promessas certeiras
De santos sem biografia
Ou de clérigos iluminados - pela tela.
Ignora-se o Cristo, novamente desprezado
Pois, dizemos missa. Outros, assistem-na.
E nada mais acontece.
O monopólio, entretanto, ainda é igual
Há dois séculos atrás.
O Pão fracionado não nos arde o coração,
Este sim, vazio há tanto tempo
Que nem sei...
Kyrie eleison.

quarta-feira, 15 de abril de 2020


Era volúvel.
O bastante para assistir prostitutas
Sem tocá-las
E emendar-se até a próxima ereção.
Buscava um amor oblativo que não conquistara, mas pretendia.
E vagava.
Desencontrado que estava em seu caminho interior.
Perdido nos enquadramentos que lhe comprimiam o peito
Amava sempre, perdidamente, até o raiar do sol.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Esta estranha maneira de te amar

Esta estranha maneira de amar,
em poesia e só.
Amores tolhidos, mas requeridos pela carne.
Quero crer que te amei sem nada possuir

Não saberás quem sou.
Sequer te reconhecerá nestes versos
tão avessa a minha pulsão.

que o sol a pino seja testemunha:
meu olhar acanhado te toca, suave

imperceptível, como uma partícula de luz sobre a tua pele.

domingo, 8 de março de 2020

Quem, um dia, observou o meu olhar sobre o horizonte saberá:
as minhas saudades não têm calmaria
estão sempre em devir
E dói
tanto que não caibo em casa,
fico acostado no limiar da porta
desejando algo mais.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Para além dos homens

Elas não criam  
nas freiras, desalmadas, esperando um esposo que não vem. 
Não criam nos curas,  
travestidos em suas rendas e solidões; 
menos ainda em um deus pudico.  
Elas não. 
Queridas elas, 
seus beijos foram ouvidos no altar 
e os seus gemidos romperam a disciplina da prisão. 

Não lhes detiveram os homens. 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Pródigo

Jaz no tempo muitos anos 
que na tua companhia 
os meus passos eu mudei 
me tornando um caminheiro 
lado a lado, estreitando 
tua vida optei. 
Me honraram como tolo 
por deixar a segurança 
o bem-estar, minhas finanças 
e, assim, expropriado, estropiado te seguir. 
Mas, meu amado, um contratempo 
atracou meu seguimento: 
outros amores me envolvi. 
Quando o medo me apossava, 
tirava a paz, me trespassava, 
tua saudade a mim rasgava 
e eu, sem ânimo, contrito, 
não consegui vo-lo sentir. 
Ó, desejado, penetrei 
no breu sem lume e sem palavras 
refiz os passos da estrada 
calei a voz pensando em ti 
rastro de caos eu restaurei. 
A mim sem nada revelar 
senão os olhos padecentes 
de quem está subjacente 
no caminho que segui; 
meu esperado, nesses olhos 
vi pegadas de teus passos 
lado a lado, estreitado 
o meu rumo conduzir.

sábado, 18 de janeiro de 2020

Meu ermo sagrado II

No silêncio de uma capela 
quando ainda estende a noite a treva profunda 
o espírito me diz: 
ele está em todo ser”. 
E saio a procurá-lo nas matas, 
escondo-me inteiro. 
Caminho em veredas e trilheiros 
e tu nada me diz, 
todo ser aquieta, 
ouço gotejar nas pedras águas mansas. 
As horas passam, eu me apercebo em silêncio. 
O silêncio me extasia naquela paz.